terça-feira, 14 de outubro de 2008

A possibilidade de reencantamento do mundo


Desencantamento, reencantamento, reimageficação, religação, presentação, são apenas algumas das palavras que povoaram o imaginário de quem ouviu Michel Maffesoli no auditório da Reitoria da UFBA[1]. O sociólogo francês que dirige o Centro de Estudos sobre o Cotidiano na Sorbonne, e que se considera um baiano da gema penteou idéias acerca de “Um mundo reencantado”.


Em suas palavras, vivemos hoje um momento de mutação - o mundo muda, “nossa pele” está mudando, enfim, tudo é metamorfose. Para Maffesoli não se trata de se acomodar ou se ajustar a essas mudanças; precisamos, sim, buscar palavras novas, palavras menos falsas – reinventar - criar palavras fundadoras para significar essas transformações.


E como temos vivido afinal, essas mudanças, o momento presente? Para onde nosso pensamento/ação e nossas escolhas têm nos conduzido? Deixando de lado o termo pós-modernidade ou post-modernity tratado por Maffesoli como um novo paradigma, sem sugerir rupturas, mas sim uma reorganização de idéias, de visões de mundo; volto-me à atualidade, sem nomeá-la. Abandonar a cifra um, ou como nós pensávamos (ou ainda pensamos) o mundo a partir de um grande monoteísmo; ou da redução da realidade a partir da noção que fazemos desta.


Essa recriação do mundo através de uma outra maneira de representar leva consequentemente a um desaparecimento do mundo. Neste novo paradigma observa-se uma mudança de compreensão teórica, de perceber a vitalidade, de sairmos de uma representação para uma presentação. A lógica da atualidade está fundada no “E”: religião e ciência, corpo e mente, sem reduções ou repartições. Há sim uma conjugação que nos introduz numa espiral sem fim.


Intensificar o que vivemos com o outro aqui e agora, nessa mudança de temporalidade. A reimageficação proposta nesse contexto seria o retorno do imaginário - a imagem contaminando os nossos dias. O festivo, o adonismo, a estetização da existência, essa teatralidade cotidiana. A importância de viver emoções e experimentar paixões no tempo presente – não paixões individuais, mas coletivas. Coisas que só fazem sentido pela presença do outro, pela presença diante do outro. A alteridade fazendo a diferença.


Essa contaminação da imagem, essa religação e diminuição das distâncias daria-se também pela internet, como espaço de tribalização. O longínquo vai se transformar em algo próximo, diminuindo a solidão inicial que caracterizava a sociedade. As teias de encontros virtuais possibilitariam também um recontato, um reencantamento do mundo, uma reimageficação.


Por esse novo olhar o mundo estaria entrando numa fase tribal, que retomaria valores, de certa forma, já enterrados, possibilitando a adoção de um ponto de vista mais emotivo em relação ao mundo, mais sensível. Esse novo paradigma nos conduziria a um processo de desindividualização e valorização do papel que cada um, onde o lugar estabelece o elo entre as pessoas. E como se daria então esse elo no sistema educacional?


Em Maffesoli, o que é próprio do momento que vivemos é uma religação. Ser religado a outra pessoa, a outro grupo. Esse movimento representaria o deslizamento de uma lógica da identidade para uma lógica da identificação. A primeira essencialmente individualista e a última, muito mais coletiva. A identificação ligando cada pessoa a um pequeno grupo ou a uma série de grupos, o que implica uma heterogeneidade, uma multiplicidade de valores em oposição.


Esse novo olhar para a atualidade dialoga muito bem com a falta do prefixo “re” na educação. Uma educação que vive seu modelo moderno, modelo que funcionou do século XVIII até a primeira metade do século XX, mas continua a imperar. E hoje, o que tem feito a educação? Como integrar esses jovens, como aproveitar sua vitalidade sem castrá-los? Não existe esse ser vazio, sem história de vida, sem aspectos emocionais ou intelectuais, para ser preenchido; onde ensinar é apenas transmitir conteúdos, onde o conhecimento é apenas objetividade.


E quando uma forma social não está mais pertinente de acordo com seu tempo essa forma torna-se perversa. Para Maffesoli parece surpreendente que a pedagogia tenha se transformado assim numa forma de pedofilia.


A palavra educar que vem do latim educare, por sua vez ligado a educere, verbo composto do prefixo "ex" (fora) + "ducere" (conduzir, levar), significa “tirar para fora”. Já a palavra pedagogia de origem grega resulta da composição dos termos: pa‹j+dÕj [menimo] + ¥gein [conduzir] = paidagwgÕj [preceptor, mestre de crianças]. Deslizando sobre a etimologia das duas palavras o sociólogo sugere uma iniciação em substituição à educação – considera que há um tesouro na criança, trata-se de fazer aparecer esse tesouro, acompanhá-lo.


Recorrendo ainda a um retorno da noção de autoridade nesse processo, Maffesoli redescobre a autoridade do educador no sentido de confiança. O professor como autoridade, como fundador, autor, semeador. Autoridade que vem do latim auctoritas (auctoritatem) é o que faz crescer. A apetência se daria pela autoridade, essa busca do mestre. O mestre que é mediador, que impõe confiança, influência, força, referência, que se torna importante para alguém. Retomando assim as relações entre saber e poder, e por que não, afeto e saber.


Esse mundo reencantado que sugere Maffesoli abre espaço para uma “cultura dos sentimentos”, baseada em valores não racionais e não utilitários como a emoção, a afetividade, o “estar junto”, a efervescência e a “socialidade”. O reencantamento do mundo estaria relacionado assim, à “reimageficação” desse mundo. Um reencantamento que tem por cimento principal uma sensibilidade vivida em comum, uma revitalização dessa aura em que estamos mergulhados. E tudo isso afinal não passa de um pretexto para, em suas palavras, legitimar a relação com o outro, uma matéria-prima necessária, mas ainda insuficiente.


[1] Palestra conferida pelo sociólogo francês Michel Maffesoli em 13 de outubro de 2008 no auditório da Reitoria da UFBA em Salvador, por iniciativa da Escola de Enfermagem da UFBA e de seu Programa de Pós-Graduação, com apoio do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão em Contemporaneidade, Imaginário e Teatralidade (GIPE-CIT) e do Grupo de Estudos sobre a Saúde da Criança e do Adolescente (Crescer).

2 comentários:

LeituraAção com Arte disse...

Muito bom...

ChrisMadara / Moedor de Carne @ Guerra Khan disse...

Pelo jeito a coisa ta funcionando por aqui ein :D manda vê aí!
bejuuu =)