segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Procurar, trocar, intercambiar, transformar - verbos essenciais ao teatro






Mi boca quiere nombrar ese poder, hace aspavientos, balbucea
y no pronuncia nada.
                                                                   Jose Watanabe



O silêncio que precede a ação; sons da memória, cores e texturas que se alimentam do espaço que rodeia o ator, da imobilidade que é ponto de partida para a ação; um ritmo que convoca uma personagem; gestos que cortam o espaço, preenchidos de presença, domínio e precisão; objetos que agem sobre os atores, que denotam paixão; imagens que só podem surgir da interação da musicalidade e do objeto como prolongamento desses corpos – reflexos da pesquisa de um grupo teatral.

Na última quinta-feira, dia 16 de setembro, alunos e professores da Escola Teatro tiveram a oportunidade de presenciar as demonstrações de trabalho “A rebelião dos objetos” e “Trabalho a partir do silêncio”, respectivamente, dos atores Ana Correa e Julián Vargas do grupo peruano Yuyachkani, que compartilharam com o público do Teatro Martim Gonçalves, pequenas células de investigação do seu processo criativo.

Codificando diferentes princípios de criação, os atores organizam suas fontes e as ferramentas de trabalho descobertas. Uma pulsação segue num crescendo constante até retornar ao silêncio inicial, mas o corpo continua vibrando; objetos ganham dramaticidade; a ausência se converte em um elemento de construção de imagens. A concepção poética de cada cena, a gestualidade de cada personagem, o efeito cênico provocado, nasce dessa relação dos atores com o teatro como uma construção cultural. Polindo sua arte, eles nos revelam aos poucos, através das metáforas criadas, a experiência que vão acumulando ano após ano - uma vida de grupo aberta para a troca, para uma aprendizagem constante.

O desapego ao naturalismo se revela na equivalência como princípio, o contrário da imitação. Somos sugados por suas ações, seus corpos nos convidam a penetrar na história de seu país. Suas motivações pessoais, seu processo de investigação, o acúmulo das diferentes experiências e lugares por onde passaram, nos chegam por imagens suscitadas através de textos, músicas e poemas, por uma presença simbólica que remete a muitas ausências.

O Grupo, que busca uma relação sensível com o espectador, com temas que tocam a sua realidade e reverberam em diferentes contextos, apresentou no III Festival Latino-Americano de Teatro da Bahia (FILTE) seis espetáculos, seis demonstrações de trabalho, além de participar de encontros com outros grupos, pesquisadores e diretores de teatro.  Atuantes na cena teatral há 40 anos, eles abordam em seus trabalhos questões culturais, sociais, religiosas e políticas do seu país. O Yuyachkani tem trazido sua larga experiência para as edições desse Festival, evento realizado pelo Oco Teatro Laboratório. 

O trabalho desses atores reafirma o que sugeria Piaget, que a aprendizagem é “um processo de assimilação progressiva do espaço ao redor do corpo”. Um espaço prenhe de memória, objetos, musicalidade... Essa assimilação do espaço que é transformado, ou devorado, é uma das prioridades desse corpo atuante que se estende pelo seu entorno, pesquisando sua memória social.

A realização desse Festival, como outros que vem acontecendo em Salvador,  parece um momento ideal para que possamos refletir sobre a relação da Universidade com a comunidade teatral. Considero de extrema importância  uma maior interação universidade-grupos teatrais, acompanhada de uma reflexão sobre o “fazer teatral”, seus conceitos e procedimentos nas suas mais diversas formas.

Parabenizo o Oco Teatro Laboratório pela realização dessa terceira edição do Filte Bahia 2010 que por 11 dias possibilitou ao público de Salvador assistir a espetáculos com diferentes estéticas, além de participar de uma série de atividades de formação realizadas na programação paralela como oficinas, encontros, rodas de conversa, palestras, demonstrações de trabalho, lançamentos de livros e revistas de teatro, e à sensível homenagem prestada aos 40 anos do Grupo Yuyachkani por Eugênio Barba e Julia Varlei, atriz do Odin Teatret.

Um comentário:

Sandro Rocha disse...

Do momento em que arte atravessou o mar até portar nas aguas quentes da Bahia, os personagens quase sem roupa tinham sua arte nas cores pintadas em sua pele muito provalvelmente em seus rostos, ali sua plateia era o mar, e o verde da mata, hoje o olhar se volta as novas formas de interpretação da vida, vida contemporânea vida de realidade dura, suavisada pelos encontros dessa nova turma dedicada a analisar e evidenciar o novo ao outro, ao perceptivo da mudança do corportamento que hoje nos envolve, você Celida faz parte desse olhar, parabéns a todos que se dedicam a essa causa.