sábado, 12 de dezembro de 2009

Aproximações entre a obra de Christian Boltanski e os estímulos compostos no Drama


Para o artista plástico francês Christian Boltanski, a fotografia é uma espécie de etnografia, uma realidade coletiva imbuída de um imaginário; uma intercambialidade nascida das diferenças culturais, no caráter psicológico e social. Boltanski (1944) tem como principal tema a sua vida pessoal, a verdadeira ou uma que é reinventada, abordando temas como a memória, a identidade, a ausência, a perda ou a morte. O suporte utilizado é a fotografia, mas também objetos do cotidiano que transforma e de onde retira toda a funcionalidade conferindo-lhes um cunho de obra de arte.

Para ele, é o artista que cria as imagens que cada observador pode interpretar ao seu modo. Boltanski se utiliza frequentemente de fotos “falsas” para contar o que supostamente são histórias “verdadeiras”, dizendo se apropriar dessas recordações falsas de memórias coletivas no intuito de suprir a ausência de suas lembranças de infância.

A imagem para ele, não revela nada objetivamente, podendo ser lida de várias maneiras, ampliando, relacionando e transcendendo um único olhar para um olhar universal. Nesse sentido, o objeto estético está no olhar da recepção e na sua tessitura, que em Boltanski é provocada intencionalmente pelo artista:
“es el artista quien crea esas imágenes (y epígrafes) que son “lo suficientemente imprecisas como para ser lo más colectivas posibles”, imágenes que cada observador puede interpretar a su modo (...)” (PERLOFF, 2001)

Antes de se interessar pela memória coletiva anônima, Boltanski debruçou-se sobre a sua própria memória e as primeiras obras que criou tiveram por tema a sua pessoa e a sua própria vida. Através da reconstituição de sua história, de retratos, através de inventários de coisas que pertenceram a pessoas, de conjuntos de fotografias, ele provoca tanto a relatividade como a subjetividade de toda e qualquer “historificação”.




As aproximações que estabeleço entre a obra de Boltanski e os estímulos compostos utilizados no processo criativo do Drama dizem respeito à recepção da materialidade oferecida. No Drama, o professor é também artista no percurso criador de pesquisa, escolha e seleção do material para o processo de investigação cênica. Esse recurso pedagógico pode ser produzido pelo professor ou encenador, contribuindo para o engajamento na atividade dramática.

Em um baú contendo fragmentos de um diário, cartas e objetos pessoais, fotografias de pessoas, podem ser identificadas como personagens de uma trama, como lembranças de infância, como histórias “verdadeiras” parte de uma memória coletiva. Nesse sentido, a situação instaurada e as circunstâncias exploradas devem ser convincentes, pois o impacto causado dependerá da quantidade e qualidade das imagens oferecidas aos participantes, a delimitação e ambientação cênica da narrativa construída.

O Drama, um método de ensino desenvolvido principalmente na Inglaterra, foi trazido para o Brasil na década de 1990 por Beatriz Cabral. Ele se utiliza de jogos de improvisação teatral, nos quais os participantes se comportam como se estivessem em outra situação ou lugar, sendo eles próprios ou outras pessoas. Os estímulos compostos, elementos materiais utilizados nesse processo, podem inserir o grupo na situação dramática ou aprimorar e acrescentar novas informações a trama que já vem sendo construída, como manutenção do processo.

A primeira vez que tive contato com a noção de estímulos compostos foi em 2001, em um curso com o professor John Somers organizado pela UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina) em Florianópolis. Iniciador da Associação de Drama na Educação - uma organização que possibilitou a expansão do Drama nas escolas nas décadas de 60 e 70, ele acredita que os alunos são capazes de utilizar conceitos dramáticos sofisticados num processo desenvolvido em grupo. Em sua opinião o Drama na Educação leva naturalmente ao teatro, à apropriação de elementos de teatralidade.

Para Somers (1999), a habilidade de juntar um estímulo composto, como ponto de partida para a construção coletiva de uma narrativa teatral, parece residir no poder de criar personagens e acontecimentos nos quais aqueles estímulos estejam envolvidos. Os objetos, fotografias e as informações que eles carregam devem manter uma tensão produtiva, mobilizando o grupo. O grupo desenvolve a história dramática a partir desses objetos, documentos, entre eles fotografias de pessoas que supostamente viveram na época enfocada e que podem dar seus depoimentos e/ou serem entrevistadas pelo grupo. Mediados pelo professor, os envolvidos acreditam inicialmente que estão recriando a história de um passado longínquo.

Nos objetos de Boltanski que propoem reconstituir vivências e locais, destacam-se alguns exemplos em que o anonimato é puxado para um lugar visível. Assim como o artista joga e provoca diferentes recepções a partir de suas fotos “falsas”, o Drama permite transformar o geral e o antigo no particular e no “aqui e agora”, e se caracteriza pela incorporação de situações e temas emergentes. Da mesma forma que a recepção da obra de arte, a fruição das imagens oferecidas como pré-texto permitem a imersão em uma realidade virtual. Mas ao mesmo tempo em que se envolvem no contexto da ficção, os atuantes constroem suas próprias narrativas e participam do evento teatral.

CABRAL, Beatriz. Drama como Método de Ensino. São Paulo: Editora Hucitec: Edições Mandacaru, 2006.

Marjorie Perloff no artigo Lo que realmente pasó - Sobre el jardín de invierno de Roland Barthes y los archivos de los muertos de Christian Boltanski na edição de 2001 da Revista MilPalavras sobre as relações entre fotografia e fruição, morte e memória.

SOMERS, John. "Drama e História: Projeto Peste Negra" In: CABRAL, B. et allii. Ensino do Teatro – experiências interculturais. Florianópolis, UFSC, 1999.

Nenhum comentário: